26.9.15

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Badalam os sinos, uma música passa, um cão late. As horas são feitas de desideratos passageiros como estes. Qualquer hora parada serve bem às palavras: basta abrir a janela e novamente abrir a outra janela que a primeira janela revelou. Essa já não dá directamente para a rua, mas atravessa-a para um lugar que se funde nela, interiormente. É escuro, por isso o movimento de atravessar ganha em ter ele próprio alguma luz. Os factos reais e interiores transmigram uns para os outros, num processo que vai da vida, passando pela morte, até que os dois se cruzem numa forma de vida que reage de um modo inédito e  que não é, por nós, já tangível, mas que, de certa maneira, se apresenta visível à mente. Badalam então pela segunda vez os sinos, a música volta a passar, um cão torna-se mais insistente e ruidoso. Porém, é tudo uma fantasmagoria que se cola à pele dos incidentes que lhe deram origem para desencadear um novo processo, verbal, que descreve, prescreve e proscreve ambos os factos. Nessa colisão de movimentos opostos, intelectual um e selectivo ou abdicatário, portanto emocionais, os outros, dá-se a criação.